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O Arquitecto Paisagista – Que é?

Lição proferida no Colégio de Arquitectos de Cataluña y Baleares, Barcelona, 11.05.1978.

Francisco Caldeira Cabral

Do Arquitecto de Jardins ao Arquitecto Paisagista:

O Arquitecto Paisagista, o que é? – Não é fácil hoje responder de uma forma simples a esta pergunta.

Há uns anos, chamávamos-lhe em Francês e Alemão Arquitecto de Jardins – Architecte de Jardins, Gartenarchitect – e podia então responder-se que era o que projectava e construía jardins.

Mas hoje saiu do “hortus conclusus”, onde guardava as suas preciosidades, e saiu à rua para fazer os espaços verdes urbanos; e foi ainda mais longe: com a planificação e ordenamento do território, abrangeu toda a paisagem, justificando a sua moderna designação de Arquitecto Paisagista.

Partindo das funções em que participa, vamos raciocinar sobre a sua formação necessária ao Arquitecto Paisagista de hoje.

As Ciências, as Técnicas e a Arte:

Creio que, em primeira aproximação, se poderá dizer que o Arquitecto Paisagista está em relação com todas as disciplinas especiais que tratam do meio ambiente e dos seres vivos, como o Arquitecto está para os Engenheiros das diversas especialidades que concorrem para a edificação.

Quer dizer que a nossa profissão é antes de tudo artística na concepção, apoiada em ciências e técnicas para o estudo e a execução dos seus projectos.

Um projecto a quatro dimensões:

Uma característica própria da nossa Arte é que concebe a quatro dimensões – as três do espaço e o Tempo. Os nossos projectos quando se realizam são como o menino que acaba de nascer – está completo em tudo, mas vai crescer! E há ainda um outro aspecto muito particular: este desenvolvimento faz-se por força das suas virtualidades próprias e pela vontade daqueles que o acompanham.

Assim, o Arquitecto Paisagista deve estar preparado para entender bem todos os factores ambientais – macro e microclima, solo – e conhecer as possibilidades de vida e de adaptação das plantas a estes factores, com as modificações que o homem pode introduzir-lhes. E terá ainda que ter uma ideia clara do uso dos espaços que procura ordenar.

Projectar o Jardim:

Já no Jardim se punham por vezes problemas técnicos complicados, mas aí quase sempre o dominante é o aspecto estético, a par dos problemas de manutenção. Para resolve-los terá que conhecer profundamente os materiais com que trabalha. Sobretudo as plantas, há que ter convivido com elas – conhecê-las pessoalmente. Não só o porte, a forma e a cor, mas também os gostos e hábitos em relação aos vizinhos que se lhes vão dar.

A tudo isto há que juntar as qualidades artísticas de proporção e composição, para que o conjunto resulte harmonioso, desde o princípio e nas diferentes fases do seu desenvolvimento.

O planeamento e os espaços verdes urbanos:

Se passarmos agora aos espaços verdes urbanos, os problemas são na essência os mesmos, apenas as funções são mais complicadas e o tratamento mais duro. Há uma mudança de escala, mas essencialmente mantém-se tudo o que encontrámos no jardim.

Mas os espaços verdes não surgem ao Arquitecto paisagista só na fase de projecto. Antes, apresentam-se na preparação dos planos de urbanização. É nesse momento que se decide como vai ser a estrutura verde do novo aglomerado e onde vai construir-se.

Aqui a intervenção do Arquitecto Paisagista tem dois aspectos: num primeiro momento cabe-lhe fazer um levantamento da paisagem e, trabalhando com os especialistas quando necessário, estabelecer cartas de pendentes, de exposições, de solos, de hidrologia, recolher dados climáticos e outros, para apresentar um diagnóstico da aptidão urbana e das medidas cautelares que serão de exigir para protecção dos recursos naturais.

É sobre este diagnóstico preliminar que deverão basear-se os estudos urbanísticos subsequentes. Isto parece-me claro, mas gostaria de propor dois exemplos:
- Se se detecta na área em estudo uma zona importante de recarga de aquíferos, será evidente que esta área não só será “non edificandi”, mas que o seu tratamento como zona verde deverá ter em conta esta função especial;
- Outro caso é o da localização da indústria no que respeita à poluição atmosférica – não basta pensar nos ventos dominantes; há outros factores de circulação atmosférica tão importantes como a dominância.

Aceites os limites indicados no diagnóstico preliminar, o trabalho do Arquitecto Paisagista deve prosseguir em conjunto com a concepção arquitectónica, em equipa, a que só se seguirão trabalhos separados quando se tiver chegado a um consenso geral.

O projecto participado:

Do mesmo modo, creio que há muita actividade de que necessitamos para que os projectistas contactem e obtenham a colaboração dos que no futuro serão os habitantes da nova cidade. Não sei o que se passa aqui, mas em Portugal, com todas as boas vontades que já existem, ainda se está na fase do “pronto a vestir” – se serve, muito bem; se não, procure outra coisa!

Cada vez mais se verifica a importância desta colaboração. Nos meus trabalhos, estou a utilizar sociólogos para estabelecer os inquéritos iniciais e manter o contacto, explicando quanto possível o que se quer fazer e ouvindo as sugestões dos utilizadores.

Em projectos extensos e complicados haverá que recorrer a equipas de especialistas mais complexas. Assim, neste momento vamos iniciar o estudo da protecção e utilização de 24 km. de costa, com dunas e duas lagoas, perto de Sines, para uma nova cidade industrial e porto de mar, que se está a construir. A cidade está prevista para 100.000 habitantes.

Para a protecção do litoral, formámos uma equipa com dois zoólogos, um grupo de botânica e um climatologista. São eles que nos irão dar os dados em que se baseará a nossa proposta para uma utilização conservadora de um recurso natural – a Praia!

O Arquitecto Paisagista tem que coordenar a actividade dos cientistas e indicar-lhes o tipo de informação de que necessita, e depois conceber e ordenar o espaço de forma a que todos tenham o seu lugar – as plantas, as aves, os homens e o mar! Que Deus me ajude!

O currículo de formação artística e científica:

Parece-me assim que para criar uma profissão que é seguramente, e cada vez mais, independente e personalizada a única solução é um currículo semelhante aos que já existem. Quando cheguei a Berlim, em 1936, tendo terminado os meus estudos de Agronomia em Lisboa, consultei o professor que então estava encarregado da cátedra de Arquitectura Paisagista na Universidade. Expus a minha situação e pedi-lhe que me dissesse o que achava mais conveniente fazer. Respondeu-me de imediato: peça a sua inscrição no 1º semestre e siga o currículo completo; ser-lhe-ão contadas de alguma forma as disciplinas gerais que já tem de Agronomia. Segui o seu conselho e pude reconhecer a razão que tinha. Os meus estudos em Berlim foram completos e não apenas complementares daquilo que já sabia.

Há 37 anos, em 1941, que comecei no Instituto Superior de Agronomia o ensino da Arquitectura Paisagista. Hoje há um curso em Lisboa e outro na Universidade de Évora. Todos somos poucos para as necessidades que há, mas vai-se crescendo – lentiter, sed firmiter.

Em ambos os casos se aproveitaram as disciplinas existentes de Agronomia e Silvicultura e criaram-se novas disciplinas de Artes, Urbanismo, Arquitectura Paisagista, História da Paisagem, para organizar os cursos. Na maioria dos casos a Arquitectura Paisagista ensina-se junto das Faculdades de Agronomia, porque ali se encontra a maioria das disciplinas de base. Mas há casos, como New Castle on Tyne, em Inglaterra, em que funciona na Faculdade de Belas Artes; mas a de Agronomia está no edifício ao lado e as duas estão ligadas por uma ponte!

O importante é que, ao lado de toda a formação artística, é indispensável que se comunique também a base científica, sem a qual a nossa actividade profissional não é possível.