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Biografia

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FRANCISCO CALDEIRA CABRAL
(1908 – 1992)

NOTAS BIOGRÁFICAS

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No Doutoramento honoris causa, na Universidade de Évora, Outubro de 1980.

Francisco Caldeira Cabral, foi o primeiro Arquitecto Paisagista português, responsável pelo início do ensino da Arquitectura Paisagista e fundador desta nova profissão em Portugal.
Nasceu em Lisboa, no Campo de Sant’Ana, nº 46, Freguesia da Pena, em 26 de Outubro de 1908, filho de António Caldeira Cabral, médico, e de Alice Monteiro Caldeira Cabral.
Cresceu entre Lisboa e S. Pedro de Sintra, onde seu Pai tinha casa, passando também períodos de férias em Paços da Serra, concelho de Gouveia, na casa de seus avós paternos, que mais tarde veio a herdar.

Formação:

Fez o ensino primário em Lisboa, e iniciou o secundário no Colégio Vasco da Gama, continuando-o a partir de 1921 no Colégio dos Jesuítas, então instalado em La Guardia, do outro lado do rio Minho, frente a Caminha. Terminou o curso liceal em 1925, realizando os exames finais no Liceu de Passos Manuel, em Lisboa.
Interessado já durante o curso do liceu por uma variedade de matérias, da Química à Botânica e da Rádio e Electricidade à Música, foi para Berlim, onde se inscreveu no curso de Química, na Universidade Técnica de Berlim – Charlottenburg. Mas no ano seguinte mudou para Engenharia Electrotécnica, tendo para isso que realizar a prática de Engenharia trabalhando como operário na Siemens. Entretanto estudava Canto e frequentava todos os concertos e museus de uma cidade como Berlim naquela época.
Uma pneumonia obrigou-o a interromper os estudos em Berlim e regressar a Lisboa e resolveu matricular-se no Instituto Superior de Agronomia, onde concluiu o curso de Engenheiro Agrónomo em 1936.

Caricatura no Livro de Curso - 1934

Durante o curso de Agronomia, entre 1931 e 1935, envolveu-se em vários projectos musicais, já planeados com Ivo Cruz em Berlim. Assim, traduziu a Paixão segundo S. Mateus, de J.S. Bach, que foi cantada em português em 1ª audição em Lisboa em 1931 e repetida todos os anos até 1935, tendo cantado por duas vezes o papel mais importante desta obra – o Evangelista. Traduziu também o Orfeu de Monteverdi, apresentado em 1ª audição, em 1932, no Teatro Nacional de S. Carlos, em que cantou o papel de um dos pastores. Entre 1932 e 1935, realiza vários recitais de Lied, no Salão do Conservatório Nacional, na Academia dos Amadores de Música, no Museu Conde de Castro Guimarães e na Igreja Evangélica Alemã. Por isso, o livro de curso de Agronomia caricatura-o como um busto em cima de um piano, acrescentando numas quadras que “as notas que tenho no piano não me servem para mandar à praça”.
Esta pluralidade de interesses científicos, culturais e artísticos, marcou sempre a sua personalidade, profundamente humanista e capaz de formular sínteses abrangentes, a partir de uma análise multifacetada da realidade. A sua formação católica inspirou o modo como via a relação do homem com a natureza e o espírito de missão que pôs ao serviço do ensino, da profissão, da defesa do ambiente, do património e do mundo rural.

Ainda estudante, o Director do Instituto Superior de Agronomia, Prof. André Navarro, encarrega-o da direcção de trabalhos de jardinagem na Tapada e no Jardim Botânico da Ajuda e quando, já no 4º ano do curso, a Câmara Municipal de Lisboa pede ao Instituto alguém para assumir a direcção dos serviços de jardinagem, é indicado o seu nome. O Instituto planeia então criar um curso de especialização em Jardinagem, aproveitando o Jardim Botânico da Ajuda e com o apoio do Município. Mas Caldeira Cabral, motivado pela leitura de um artigo da Encyclopedia Brittanica onde se falava da nova profissão de Arquitecto Paisagista, propôs-se fazer os respectivos estudos, optando pelo curso recentemente criado na Faculdade de Agronomia da Friedrich Wilhelm-Universität de Berlim. Candidatou-se para isso a uma bolsa de estudo do Instituto para a Alta Cultura, no que foi apoiado pelos professores André Navarro, Azevedo Gomes e Ruy Mayer.
Terminado o curso de Agronomia em Julho de 1936, rumou então a Berlim, onde durante três anos frequentou o curso e trabalhou sob a orientação do Prof. Heinrich Wiepking, obtendo em 1939, o diploma, com o título de Diplom Gärtner.

O projecto do Estádio Nacional:

Em Setembro de 1937, encontrando-se ainda de férias em Lisboa, Caldeira Cabral recebeu um convite para participar no desenvolvimento do importante projecto do Estádio Nacional, no Vale do Jamor, dada a utilidade que para isso teriam os conhecimentos já adquiridos no seu curso e na especialização que estava a realizar. O ante-projecto, cujo concurso fora realizado em 1934, fora já aprovado, devendo passar a uma fase de desenvolvimento do projecto.
Caldeira Cabral, porém, tendo observado as condições do local, desde logo objectou à forma de implantação do conjunto no centro do Vale do Jamor, contrapondo a esta solução a criação de um parque e a localização do Estádio na encosta, como efectivamente hoje se encontra. foram estas ideias que levou para Berlim, onde desenvolveu esse projecto no âmbito do seu Curso e em colaboração com o Assistente, Arqº. Konrad Wiesner, apresentando uma nova proposta em Outubro de 1938.

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Projecto de Caldeira Cabral e Wiesner, datado de 12 de Outubro de 1938

O projecto de Caldeira Cabral e Wiesner para o Estádio Nacional, inspirou-se nos anfiteatros gregos, moldando-se ao terreno e integrando-se na paisagem, orientado para o enquadramento e para a gestão equilibrada dos espaços e dos recursos naturais, preferindo a utilização da pedra, ao cimento e ao ferro. As condições políticas da época e as reticências dos jovens arquitectos que trabalhavam com Duarte Pacheco, motivaram o seu afastamento dos trabalhos em 1940. No entanto, foi o seu projecto que veio efectivamente a ser executado, quer no que respeita à implantação do conjunto de equipamentos desportivos, quer na construção das bancadas do Estádio Nacional e também do Estádio de Ténis.

O Ensino da Arquitectura Paisagista:

Contratado em 1940 pelo Instituto Superior de Agronomia para reger a disciplina de Desenho Organográfico, a partir de Outubro desse ano passou a reger a disciplina de Construções Rurais e foi autorizado a iniciar um curso experimental de Arquitectura Paisagista, de livre acesso e facultativo, o qual começou a funcionar em 1941. No ano seguinte, 1942, o curso e o seu Regulamento foram aprovados pelo Ministério da Educação Nacional, com o estatuto de Curso Livre designação que então era dada a conjuntos de disciplinas para além do currículo obrigatório, que conduziam a uma especialização. O Curso Livre de Arquitectura Paisagista era assim aberto aos alunos inscritos nos cursos de Agronomia ou Silvicultura, acrescentando ao seu currículo, desde os primeiros anos, disciplinas específicas de Arquitectura Paisagista.
Caldeira Cabral fez do seu curso “uma extraordinária escola de formação técnica, cultural e humanista, pois dizia que ali não era só a informação que contava, mas sobretudo a formação”. Entre os formandos dos primeiros anos contam-se alguns dos seus principais seguidores: Azevedo Coutinho, Ribeiro Telles, Edgar Fontes, Viana Barreto, Ilídio de Araújo e Álvaro Dentinho.
Em 1953, foi aprovada pelo Ministério da Educação a criação do Centro de Estudos de Arquitectura Paisagista no Instituto Superior de Agronomia, o qual teve nos anos seguintes grande importância para a consolidação e projecção do curso e da profissão. O Centro de Estudos organizou conferências e exposições, e ganhou visibilidade quando, em 1957, passou a representar Portugal na Federação Internacional dos Arquitectos Paisagistas (IFLA).
Mais tarde, quando nos anos 60 e 70 está envolvido na IFLA, no desenvolvimento e promoção da Arquitectura Paisagista, Caldeira Cabral nunca abandonou a docência, promovendo com frequência viagens de estudo com os seus alunos.

A profissão liberal:

Caldeira Cabral entendeu sempre a prática da profissão liberal, para além do prazer da criação artística, como a ocasião e o lugar necessários da experimentação de soluções e da investigação e reflexão que permitem fundamentar a generalização teórica e alimentar um ensino vivo e motivador.
Cedo teve solicitações e oportunidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos no seu curso, como já vimos com o projecto do Estádio Nacional, de 1938 a 40, a que se seguiu o projecto do Auditório da Estação Agronómica Nacional, então instalada em Sacavém, em 1942, e o Auditório da Tapada da Ajuda, em 1943.
A sua colaboração com Raul Lino no Funchal, de 1941 a 45, foi também uma ocasião privilegiada de grande interesse profissional, envolvendo vários projectos como a obra de renovação da Praça do Município, o Largo da Restauração, a Avenida do Mar, o Jardim de São Francisco e o Parque de Santa Catarina.
Para além de diversos jardins particulares, foram também marcantes na sua experiência profissional dos finais dos anos 40 e 50 alguns projectos que envolveram o ordenamento da paisagem e da actividade agrícola e construções rurais, como a Casa da Agrela (1945-50), a Herdade de Motrena (1946-60) e a Quinta das Vidigueiras, em Regengos de Monsaraz (1947-60). Marcante também pela dimensão e novidade o projecto do espaço envolvente da Barragem de Belver (1947-63).
A década de 50 é marcada em especial pela actividade em dois campos distintos. Por um lado, a intervenção no planeamento urbano, com a participação no Gabinete de Estudos de Urbanização, orientando os estudos de Arquitectura Paisagista do Plano Director de Lisboa (1956-60), e os projectos de Parques e espaços verdes urbanos, como o Parque das Termas, de Caldas da Rainha (1951-53), a remodelação da Avenida da Liberdade (1956-60), a colaboração no projecto de enquadramento da Torre de Belém, ou o Concurso Internacional para o Parque “Planten un Blomen”, em Hamburgo (1958).
Por outro lado, o início dos projectos de rega por aspersão, que se inicia com a Casa Cadaval (1953) e se estendem a África, da Cana do Açúcar, no Incomati, Moçambique (1956) ao Café, nas plantações da Companhia Angolana de Agricultura (CADA) (1957-58), dando lugar ao estudo das causas da chamada “morte súbita” do cafeeiro.
O ano de 1960 fecha de algum modo um ciclo, com a mudança abrupta de orientação na Câmara de Lisboa, interrompendo a regular colaboração que acima se referiu.

A actividade associativa, nacional e internacional:

Francisco Caldeira Cabral, pela sua formação, pelo seu modo de ser e de estar e o seu sentido de serviço, cedo se envolve em actividades associativas, quer na Acção Católica, ao serviço do Mundo Rural, tendo sido Presidente Geral da Liga Agrária Católica (1948-1952); quer em causas ligadas à sua formação e actividade profissional, como a Liga para a Protecção da Natureza, de que foi sócio fundador (1948) e Presidente (1951 e 1952) e, a partir de 1956, Presidente da Secção de Protecção da Natureza da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde, numa conferência, em 1963, propôs a criação em Portugal de um sistema de Parques e Reservas e de imediato a criação do Parque Nacional do Gerês.

Mas é na década de 60 que a sua actividade se vai intensificar a nível internacional. Convidado a inscrever-se a título individual na IFLA (Federação Internacional dos Arquitectos Paisagistas), em 1951, participou nos Congressos de Stockholm (1952) e de Zurique (1956), no qual organizou a participação portuguesa na Exposição Itinerante, que em 1957 trouxe a Lisboa.
A sua excepcional facilidade e domínio das principais línguas europeias e o prestígio de que já tinha pela criação da profissão e curso universitário em Portugal, no momento em que esta formação ainda não existia nos países do sul da Europa, determinam a sua eleição como Vice-Presidente da Federação Internacional em 1960, no Congresso de Amsterdão, onde é relator da Secção de Ensino da Arquitectura Paisagista.
Em 1962 é convidado a realizar conferências e orientar trabalhos de seminário nas Universidades americanas da Califórnia e da Geórgia e no Congresso da IFLA, realizado em Israel, é eleito por unanimidade Presidente da Federação Internacional, cargo para o qual é reeleito em 1964 no Congresso de Tóquio, a que preside, terminando o mandato no Congresso de Stuttgart, em 1966.
Em 1965 o Secretariado da IFLA é instalado em Lisboa, no Instituto Superior de Agronomia; reúne em Lisboa o Grande Conselho da IFLA; recebe o Prémio da Fundação Schumacher – Ordenamento da Paisagem. Nesse mesmo ano comemoraram-se os 25 anos do ensino da Arquitectura Paisagista em Portugal, tendo-se realizado o I Colóquio Nacional de Arquitectura Paisagista, com uma Exposição que foi apresentada em Lisboa, Porto e Madrid.

Até ao final da década de 60 continuam a suceder-se os convites para participar e apresentar comunicações em encontros, participar em júris e leccionar cursos breves e orientar trabalhos de seminários em diversas Universidades (v. Currículo).
Em 1970, organiza o XII Congresso da IFLA em Lisboa), na Fundação Gulbenkian. Em 1971 recebe o Doutoramento honoris causa pela Universidade de Hannover e nos anos seguintes mantém ainda uma intensa actividade a nível internacional.

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Caldeira Cabral com o Presidente da CML, Engº Santos e Castro, com o Engº Magalhães Lobato, da Fundação C. Gulbenkian, e com o Arqº Pais. Edgar Fontes, durante o Congresso da IFLA realizado em Lisboa, em 1970, nas instalações da Fundação C. Gulbenkian.

Uma nova fase na profissão liberal:

Quando em 1975 a Escola se agita e há contestação, o professor compreende que está na hora de se retirar – a semente foi lançada, a profissão consolidada e reconhecida, a missão, no essencial está cumprida.
No seu atelier, associando o seu filho João Caldeira Cabral, Albano Castelo Branco e Joaquim Elias Gonçalves não falta trabalho, que, pelo contrário se intensifica e se alarga a campos tão diversos como a continuação da Missão para o Desenvolvimento da Floricultura na Ilha da Madeira, a Estudos de Ordenamento do Território e de Desenvolvimento Regional, Planos de urbanização de várias localidades, Estudos relativos à Área de Sines, Estudos preliminares sobre as Auto-estradas, Estudo sobre os Cemitérios em Portugal e projectos de Cemitérios, projectos de Parques urbanos e de espaços exteriores de Escolas e outros equipamentos sociais.
O Professor continuou a ser solicitado para participar em diversos Colóquios e Conferências, designadamente a convite de Universidades espanholas – Madrid, Navarra, Barcelona, Zaragoza – em anos sucessivos. Colaborou também com a Universidade de Évora, em cursos, orientação de dissertações e júris de Mestrado e Doutoramento. Foi-lhe atribuído o grau de Doutor honoris causa pela Universidade de Évora, em 1980.
O seu mérito foi publicamente reconhecido pela atribuição do grau de Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública, em 1982 e da Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em 1989.
Solicitado a publicar os seus escritos, dispersos em diversas publicações e em diferentes línguas, ou inéditos, dedicou os últimos meses da sua vida à tarefa de recolha e tratamento desses textos, vindo a falecer em Novembro de 1992, poucos dias antes das celebrações dos 50 anos do Curso e da publicação do I Volume da obra, intitulada Fundamentos da Arquitectura Paisagista. Este I Volume teve já reedição em 2003 e prepara-se agora a edição do II Volume.

Lisboa, 26 de Outubro de 2008, nos 100 anos do nascimento do Mestre.