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Francisco Caldeira Cabral e a IFLA

TERESA ANDERSEN
Adaptado de “Três décadas de Arquitectura Paisagista em Portugal: 1940-1970”, Teresa Andresen, Lisboa 2003.

O primeiro contacto de Caldeira Cabral com a IFLA terá surgido em 1950, a propósito do segundo congresso da Federação que decorreu em Madrid de 20 a 24 de Setembro desse ano sob o tema “Colaboracion de las Diferentes Bellas Artes con la Jardineria y los Paisajes”. Caldeira Cabral, acompanhado de Manuel Azevedo Coutinho e Gonçalo Ribeiro Telles, esteve em representação individual como observador. Aqui conheceu, entre outros, Geoffrey Jellicoe (1900-1996) e Sylvia Crowe (1901-1997) do Reino Unido, e René Pechère (1908-2002) da Bélgica, três figuras proeminentes da Arquitectura Paisagista europeia que ficaram amigos para toda a vida.
Em Junho de 1951, ainda na qualidade de observador, participou numa reunião do Conselho da IFLA, em Bruxelas, tendo também aproveitado para revisitar a Alemanha, nomeadamente Hanôver onde agora se encontrava Wiepking. Julga-se ser esta a primeira vez que o trabalho dos arquitectos paisagistas portugueses é dado a conhecer internacionalmente num seminário em que participou. No seu relatório para o Instituto para a Alta Cultura sobre esta viagem relata:

“Trocamos impressões sobre os trabalhos de urbanização em estudo arranjo de zonas verdes de Hannover e outras cidades, bem como das zonas de influência, abrigo de ventos, isolamento de núcleos industriais etc. Mereceu-nos especial interesse o estudo de uma forma de zona residencial com parcelas cultivadas pelos próprios e capazes de satisfazer 40% das suas necessidades de fruta e hortaliça fresca, com a consequente economia de transporte, melhoria de condições alimentares e segurança do abastecimento.
Visitei os jardins de Harrenhausen, hoje entregues à faculdade, tanto a parte de interesse histórico como o Berggarten, onde a Faculdade reuniu uma importante colecção de plantas ornamentais e se dedica a aspectos de melhoramento, controle de variedades hortícolas e introdução de novas variedades. Entre outras pude apreciar a nova colecção de formas americanas de Iris germanica, a mais completa da Europa. Logo que no Instituto Superior de Agronomia tenha possibilidade de instalar as nossas colecções, ficou combinada a possibilidade de troca de plantas entre as duas Faculdades.
Visitei a Exposição Internacional de Jardinagem e a Exposição Itinerante da IFLA. […] A Exposição de jardinagem foi notável não só pela extensão das instalações como pela beleza e qualidade da apresentação, quer no pormenor quer em conjunto. […] Para terminar as minhas referências à Exposição quero mencionar os exemplos de sebes de protecção do vento e os exemplos de correcção e consolidação de leitos e margens de cursos de água, por meios biológicos. Na parte de instrumentos e ferramentas os de melhor interesse eram sem dúvida os novos modelos de aparelhos de rega por aspersão para jardinagem e agricultura, cuja difusão bem denotava o alto interesse que este assunto hoje reveste em muitos países.
Visitei ainda na companhia do Prof. Wiepking alguns dos seus últimos jardins e pude restabelecer contacto com diversos condiscípulos de que não tornara a ter notícias depois da guerra. […]
Apresentei no Seminário alguns trabalhos realizados no Instituto Superior de Agronomia pelos estudantes de Arquitectura Paisagista, que mereceram grande interesse, em especial o trabalho A Vinha na Paisagem Minhota de Edgar Sampaio Fontes.” (1)

A IFLA ocupou um tempo significativo de Caldeira Cabral a partir dos finais da década de 50 e deu-lhe uma imensa projecção internacional. Acompanhado pelos seus condiscípulos, esteve nos congressos da IFLA de Estocolmo (1952) e de Zurique (1956), não tendo provavelmente comparecido nos congressos de Viena (1954) e de Washington (1958). O Congresso de Estocolmo está particularmente bem documentado pelo relatório apresentado por Manuel de Azevedo Coutinho sobre a sua participação financiada pela Câmara Municipal de Lisboa, onde trabalhava desde 1949 assim como por algumas fotografias existentes no ISA nos arquivos de Caldeira Cabral. O relatório destaca particularmente tudo quanto diz respeito aos espaços verdes públicos visitados assim como o teor das conferências. Estocolmo e o seu novo sistema de parques públicos, os cemitérios e a habitação são temas particularmente realçados se bem que o relatório também documente algo sobre os jardins de Paris, depreendendo-se que a viagem tenha sido realizada de automóvel como depois muitas vezes veio a acontecer.
Efectivamente, professor e alunos – por vezes acompanhados das suas mulheres – partiam em viagens de estudo, muitas das vezes inseridas nas reuniões da IFLA. Na década de 60, numa altura em que o professor se encontrava cada vez mais envolvido na IFLA e menos presente no ISA, os alunos tomaram a iniciativa de organizar viagens durante várias semanas, o que lhes permitia terem o professor em exclusivo.
No Congresso de Amesterdão, em 1960, Caldeira Cabral foi eleito Vice-presidente, conforme atrás já se referiu. No oitavo congresso da IFLA, em Israel, dois anos mais tarde, foi eleito Presidente e reeleito no Congresso de Tóquio, em 1964. Recorde-se que os XIX Jogos Olímpicos decorreram em Tóquio nesse mesmo ano, sendo também de lembrar que os de 1940 nunca se tinham chegado a realizar por causa da guerra. O Congresso de Tóquio envolveu um curioso projecto de construção de Jardins das Nações no Parque Mukogaoka de iniciativa da Companhia dos Caminhos de Ferro Odakyu, em que Caldeira Cabral foi o autor do jardim português.
Mesmo depois de deixar a Presidência da IFLA em 1964, a actividade de Caldeira Cabral na qualidade de Past President é imensa. O secretariado da IFLA transferiu-se de Londres para Lisboa, junto do Centro de Estudos, no ISA. Álvaro Dentinho, no Congresso de Israel, passou a ser Secretário honorário da Federação, Edgar Fontes, entre 1965 e 1973, foi o delegado português na IFLA e, em 1973, foi eleito Secretário Geral. Por sua vez, Caldeira Cabral, ainda Presidente da IFLA, em 1965, passou a pertencer à Junta Nacional da Educação, actividade à qual dedicará a maior atenção.
No seu discurso de tomada de posse como Presidente, no Congresso de Israel, dedicado ao tema “O Papel do Arquitecto Paisagista na Construção da Paisagem do Futuro”, descreveu assim o seu entendimento do momento da IFLA:

“Fundada em Londres, no Jesus College, em 1948, os primeiros anos da IFLA foram consagrados à sua consolidação. Quando Portugal, na minha pessoa, se lhes juntou em 1951, julgo que ainda tinha apenas os membros fundadores.
Começou então, um segundo período, de 1951 a 1960, que chamarei de desenvolvimento. Quero assinalar o ano de 1952, em que os Estados Unidos da América – com o mais numeroso grupo de arquitectos paisagistas e dos mais activos profissionalmente a nível mundial – entraram na nossa federação. O mesmo ano viu ainda inscrever-se como membro a Alemanha, a Áustria e o Japão.
Assim, a Federação constitui hoje, com as suas 27 nações-membros, um quadro representativo da arquitectura paisagista mundial.
Este desenvolvimento continua e acabamos agora de admitir a nova Associação dos Arquitectos Paisagistas da União da África do Sul.
Julgamos agora chegado o momento de entrar num novo período que designarei de estabilização e de expansão.” (2)

Adaptado de “Três décadas de Arquitectura Paisagista em Portugal: 1940-1970”, Teresa Andresen, Lisboa 2003.

Notas:

1 Relatório de actividade apresentado ao IAC por FCC, datado de 12 de Março de 1952.
2 Francisco Caldeira Cabral, «O Futuro da Arquitectura Paisagista. Fundamentos da Arquitectura Paisagista». Lisboa: Instituto da Conservação da Natureza, 1993, p. 65.