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A Missão do Arquitecto Paisagista

PROF. FRANCISCO CALDEIRA CABRAL
Extracto de Fundamentos da Arquitectura Paisagista, pp 45-47.

Pediu-me a Direcção da associação dos Estudantes de Agronomia para fazer uma conferência integrada numa série que se está a realizar nesta escola. Aceitei com prazer, porque de facto não o pode haver maior para o professor do que ser solicitado para falar àqueles a quem dedicou a sua vida, procurando comunicar-lhes o que tem aprendido e meditado. Mas, desta vez, se possível, o prazer ainda é maior porque o tema sugerido é o que tem ocupado toda a minha vida: A Missão do Arquitecto Paisagista. Aqui estou portanto, grato pela ocasião que me foi proporcionada, a falar a todos daquilo que é a nossa preocupação quotidiana.
Farei o possível por corresponder o melhor que souber.

A Paisagem Humanizada

A arquitectura paisagista é um dos ramos mais recentes das belas-artes. Com pouco mais de 150 anos de existência diferenciada, só agora começou a tornar-se conhecida e, mercê de circunstâncias variadas, a tomar um desenvolvimento que lhe define o âmbito e a missão. Não é por isso de estranhar que a maior parte das pessoas, não só em Portugal mas em todo o mundo, não tenha uma noção clara do que seja um arquitecto paisagista e, muito menos ainda, de qual seja a sua missão em geral e, em particular, na época presente. Para podermos aferir ideias procuremos antes de mais uma definição: “ A arquitectura paisagista procura realizar, em cada momento, com a maior perfeição, a paisagem humanizada.”
Definido assim o objectivo da arquitectura paisagista, vejamos qual será a sua missão em geral.

Salientemos, em primeiro lugar, que o seu objecto próprio é a paisagem humanizada, isto é, aquela que o homem modelou para satisfação das suas necessidades primárias. Quer isto dizer que a sua acção tem por fim o homem, em toda a sua complexidade material e espiritual, para o qual procura encontrar a satisfação dos fins materiais, mas sem esquecer nunca os aspectos de ordem, de beleza e de equilíbrio. Procura realizar uma síntese das aspirações humanas neste mundo, e por isso é uma arte, e uma das belas-artes.

Outras actividades humanas intervêm na criação da paisagem humanizada – a agricultura, a silvicultura, a pecuária, a construção civil, etc. – mas só a arquitectura e a arquitectura paisagista têm por fim essencial realizar não só a utilidade, mas também a beleza. São ao mesmo tempo artes belas e artes aplicadas. Daqui a sua dificuldade, mas também o seu grande encanto sedução.

Só em raros momentos da história, o homem se apercebe de modificações na paisagem. Ao passo que na arquitectura é bem patente, ao menos em certos aspectos, a evolução do estilo, de que nos ficaram como testemunhos edifícios das diferentes épocas históricas com seus traços inconfundíveis, a paisagem evolui como um todo, gradualmente, e de tal forma que só os iniciados poderão ver em leves vestígios como fora antes o quadro que agora se nos depara. A própria lentidão do movimento evolutivo faz com que as gerações tenham uma noção estática da natureza e não se apercebam sequer da influencia do homem, que às vezes até parece totalmente ausente, e é, no entanto, pressentida em toda a parte pelos olhos que foram treinados para a ver. Nunca me poderá esquecer a estranha sensação, nas minhas primeiras visitas ao Alentejo, de ver a marca humana na paisagem, erma na aparência.

Em determinados momentos, porém, tudo se modifica a olhos vistos, e então essa falta de visão retrospectiva, e de medida da própria acção do homem, que se desnorteia, leva-o a destruir não só a utilidade, mas também a beleza que tantas vezes criara inconscientemente. Aqui intervêm o arquitecto paisagista que afinou a sua sensibilidade para reconhecer as belezas existentes e, ainda, a potencialidade de beleza contida nas novas soluções; que estudou as leis que regem a paisagem e, por isso, a entende e sabe fazer surgir um novo equilíbrio que satisfaça o homem que nela há-de viver. Assim, se disse na definição que procuramos realizar em cada momento a maior perfeição.

A paisagem humanizada apresenta porém os mais variados graus de influência do homem, desde a selva onde uma população mal fixada abre uma clareira que explora por algum tempo para, em seguida, a abandonar por outra mais além, até à cidade industrial do século XIX e dos princípios deste, de que a natureza parece de todo ausente.

A intervenção do arquitecto paisagista é mais necessária na medida em que vai sendo mais intensa a humanização, que chega a tornar-se inteiramente desumana, como tantas vezes acontece às obras do ser iminentemente contraditório que é o homem

Não é portanto de estranhar que, na nossa época, e sobretudo nos países de velha civilização ou de recente e fulminante ocupação, a acção do arquitecto paisagista se tenha tornado necessária e de uma actualidade flagrante.

Nos países da velha Europa nada resta da natureza intacta, nem o mar, nem o ar! Vejam as gaivotas mortas nas praias pelo óleo dos navios, o ar carregado de fumos que a todos nos preocupam! Aqui, a intervenção do arquitecto paisagista, é não só necessária mas imperativa! E assim vai sendo reconhecido em toda a parte. E posso dizer que, apesar de bem recente, também entre nós a profissão vai ocupando o lugar que lhe compete.