Centenário Francisco Caldeira Cabral » O Estádio Nacional e a polémica que envolveu este projecto.

O Estádio Nacional e a polémica que envolveu este projecto.

TERESA ANDERSEN
Adaptado de “Três décadas de Arquitectura Paisagista em Portugal: 1940-1970”, Teresa Andresen, Lisboa 2003.

Pode-se considerar que a prática da Arquitectura Paisagista em Portugal se iniciou com o projecto do Estádio Nacional. Embora o trabalho de Caldeira Cabral e de Konrad Wiesner não tenha sido levado a cabo até ao fim, a sua marca naquilo que é hoje o vale do Jamor é incontornável. O seu envolvimento entre 1937 e 1939 está bastante bem documentado. O regresso de Caldeira Cabral a Portugal em 1939 traduziu-se naturalmente numa diminuição da correspondência e a informação nos arquivos até à data encontrada, nomeadamente na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, no Estádio Nacional, em arquivos fotográficos e na consulta da imprensa da época não esclarecerá por completo os acontecimentos.
Um documento, datado de 11 de Agosto de 1939, que corresponde claramente a uma tradução de uma carta de alemão para português proveniente dos viveiros Spaeth, informa sobre a proposta que esta casa enviou à Comissão Administrativa das Obras do Estádio para execução de trabalhos. Nomeadamente, diz-nos que o arquitecto paisagista Georg Gunder – que já tinha colaborado nos Jogos Olímpicos de Berlim – viria duas a três vezes a Portugal. Um técnico experimentado iria estar em Portugal entre 1 de Janeiro e 30 de Abril de 1940 assim como um jardineiro-chefe experimentado permaneceria em Portugal desde 1 de Outubro de 1939 até 30 de Abril de 1941. Este documento dá-nos, pelo menos, a ideia de haver uma programação que faz crer que, ainda um ano antes das celebrações dos Centenários em 1940, o objectivo era inaugurar o Estádio nessa mesma ocasião.
O jornal O Século de 14 de Setembro de 1940 traz na sua primeira página uma destacada notícia sobre o estádio, ilustrada com uma fotografia legendada da seguinte forma: “Um aspecto imponente das bancadas do Estádio Nacional, em vias de conclusão”. A notícia intitula-se “O Estádio Nacional terá capacidade para mais de 50 000 pessoas e é protegido dos ventos pelos vários montes que o circundam” e dá-nos conhecimento do seguinte:

“Impõe-se já, como uma das mais grandiosas obras de engenharia realizadas em Portugal, o Estádio Nacional, esse palácio dos desportos, recinto apropriado para todos os jogos de força e de destreza, que ficará a dever-se à política do Estado Novo, inspirado no verdadeiro interesse do país, como realidade das mais belas a compensar aquilo a que o desporto tem jus. Cumpriu-se a promessa do sr. dr. Oliveira Salazar. O estádio pode já considerar-se um facto. No vale do Jamor, nas vertentes de Santa Catarina e do Esteiro, desde a Cruz Quebrada a Linda-a-Pastora, onde há pouco existia uma lomba de terra vermelha, erguem-se, hoje, num aspecto imponente, as suas bancadas à volta do rectângulo de jogos e da pista de corridas. Os técnicos, os arquitectos, os engenheiros e os homens mais conhecedores das necessidades imperiosas dos desportos nacionais foram chamados para encontrar a forma prática de dar corpo e efectivação àquilo que foi, durante muitos anos, quasi um sonho. Assim começou a sobressair a forma clássica do estádio em pedra, lavrada pelas hábeis mãos de canteiros de Terrugem, Chilreira ou de Cabriz. E, agora, no seu conjunto mesmo sem o edifício principal e a tribuna de honra, cujas obras se devem iniciar na próxima semana, há majestade, há a visão perfeita de um estádio olímpico – à espera dos atletas e do público!
Conduzidos em ritmo acelerado, os trabalhos terão breve interrupção a-fim-de se proceder à inauguração que se prevê grandiosa. A tarefa prosseguirá, depois, de modo que o admirável parque atlético ofereça em Maio do próximo ano, todos os indispensáveis requisitos […].”

Mas, o estádio só acabou por ser inaugurado em 10 de Junho de 1944, quatro anos depois e curiosamente quatro dias depois do início do desembarque das tropas aliadas na Normandia…
Frequentemente o projecto do Estádio Nacional tem sido atribuído ao arquitecto Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970) de quem nomeadamente na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais existe vasta documentação. Ele é efectivamente o autor da tribuna presidencial do estádio assim como de outras propostas e intervenções posteriores a 1939-1940.
A tribuna foi projectada conjuntamente com o engenheiro Sena Lino em Julho e Agosto de 1940.
Num documento de 26 de Agosto de 1939 que mereceu um despacho de concordância da parte de Almeida e Brito e dirigido a Konrad Wiesner – na altura em Portugal – lê-se: “A Comissão de Revisão tendo analisado os desenhos referentes ao Estádio de Atletismo é de parecer que, para ser organizada a empreitada de construção do revestimentos das bancadas, se torna necessário que sejam apresentadas as seguintes peças de projecto […].” Uma vez que o documento é assinado por José Espergueira Mendes, engenheiro, e Miguel Jacobetty, subentende-se que estes dois técnicos constituíam a Comissão de Revisão. Quando foi esta instituída e com que fins ainda não sabemos.
Jorge Paulino Pereira dá-nos alguns esclarecimentos baseados nos arquivos existentes no Estádio Nacional e refere-se ao projecto de Abril de 1939, da autoria dos engenheiros civis Júlio Marques e António Brito, que assenta num abaixamento da cota do estádio de atletismo e assegurava “por um lado, uma implantação dos degraus com largura e alturas constantes mas variando o gradiente da altura e, por outro, um posicionamento adequado das alvenarias ao terreno, o que favorecia o esquema de cargas actuantes”. (Pereira, 1999, p.108)
Quando, em 5 de Fevereiro de 1939, Caldeira Cabral escrevia a Alfredo Alves a perguntar-lhe se sabia de alguma coisa e se achava aconselhável ele telefonar a Duarte Pacheco para se informar sobre a razão de os elementos de suporte do projecto não lhe chegarem, haveria então um outro projecto em marcha para o estádio de atletismo que Caldeira Cabral e Wiesner desconheceriam. Falando recentemente no Instituto Superior Técnico com o Professor Jorge Paulino Pereira discutia-se se Júlio Marques e António Brito trabalhariam sob as instruções directas de Duarte Pacheco. Em Maio desse ano Caldeira Cabral esteve em Portugal e certamente as coisas terão sido esclarecidas.
Caldeira Cabral e Wiesner acabaram por ser afastados do projecto, possivelmente por altura da referida notícia do jornal que não menciona um único nome dos intervenientes na obra. É sabido que Duarte Pacheco tinha as suas formas próprias de pensar, eram atento a tudo e cioso das suas ideias. A relação entre ele e Caldeira Cabral não foi fácil como aliás a documentação existente relativa aos projectos de Caldeira Cabral no Funchal o demonstra. E será por acaso que o Estádio Nacional apenas foi inaugurado depois da trágica morte de Duarte Pacheco?
Os factos exactos não os conhecemos embora se possam fazer interpretações de diversa natureza. Caldeira Cabral tinha ousado desde o primeiro minuto com o seu estudo crítico, provocando uma modificação profunda na solução inicial, e, pela troca de correspondência, fica-se a saber do imenso número de problemas que foram surgindo. Eram também os dias em que o mundo se dividia entre ser pró-germanófilo ou pró-anglófilo. E Caldeira Cabral era e sempre fora um grande admirador da cultura, da língua e da técnica alemãs. Inclusivamente, entre os seus maiores amigos contavam-se vários alemães, naturalmente e sobretudo ligados à Arquitectura Paisagista. As fotografias existentes da obra datarão de 1939 e 1940. Em particular as existentes nos arquivos de Caldeira Cabral são elucidativas do seu envolvimento até esta data. Depois há a memória de que lhe disseram para esquecer que tinha estado envolvido na obra …

Adaptado de “Três décadas de Arquitectura Paisagista em Portugal: 1940-1970”, Teresa Andresen, Lisboa 2003.